Páginas

sábado, 22 de agosto de 2020

0

DISCURSO DA SERVIDÃO VOLUNTÁRIA

                                    

Vários são os tratados filosóficos que abordam a temática do Poder. Um em especial, chama atenção dos leitores atentos a condição política no contexto que estamos vivendo: se trata da obra “Discurso da Servidão Voluntária”, escrito no Século XVI, pelo Filósofo Etienne de La Boétie (1530-1563). A obra trata de responder a pergunta enigmática de, como se explica que os homens consintam em servir e obedecer um tirano? No entanto, Boétie amplia a questão, buscando compreender como esse sentimento de servidão se estende como um consentimento por parte da sociedade.

Buscando uma compreensão contemporânea para tal questão, a sujeição discursiva, gera a servidão voluntária. Há, no campo da política, discursos proferidos em tom de honra e de um suposto respeito à democracia, que quando analisados, são violentos e ameaçadores. Há nessas situações, a projeção de uma dominação carismática, onde o discurso político acaba por ser, em inúmeras situações, exaltado e admirado por uma grande massa de pessoas.

A exaltação do discurso de um tirano, oferece uma condição de subordinação e obediência à aqueles que o admiram. Admirar a opressão, é oprimir-se. Não há liberdade política, onde há discursos opressores; há sim, servidão. E a servidão se torna voluntária quando, o servo suporta, enfeitiçado pelo discurso dominador, o jugo da dominação.

O problema maior está quando, a servidão voluntária deixa de ser individual e passa a ser coletiva. Nesse momento, se formam grupos radicais, sem qualquer presunção de tolerância e respeito à condição política de outro. Alienados à condição do discurso de servidão, os grupos radicais não percebem que, a servidão se estende à eles mesmos, impondo uma condição de controle, disciplina e serviço.

A servidão voluntária nega a liberdade como atitude protagonizadora. E a atitude política é voluntária e consciente, por isso, é libertadora. A minha relação diante da política é livre, pois é neste lócus que posso decidir. Mas não posso decidir, sem considerar a atitude/ação política dos outros. Há quem justifique sua omissão política afirmando que “quem só faz política e o político profissional”, ou, “participar da política é ruim”. Assim, toda omissão política é, em última análise, a negação da ética, dos princípios e das possibilidades de transformação social.

Ainda, o discurso de servidão voluntária têm consequências amargas à toda uma nação. Uma delas é a conformação dos cidadãos com a corrupção política. O discurso da servidão voluntária impõe à consciência coletiva a naturalização da corrupção política como fenômeno normal da vida social e da administração pública. Nesse discurso, os políticos corruptos separam, de acordo com seus interesses, alguns outros para depositarem a culpa. Ao culparem outros, ganham estima e respeito.

O ciclo da naturalização da servidão só pode ter fim quando, efetivamente, a educação for tratada como práxis política. Isso implica em compreender que, além das abordagens conceituais sobre política, a educação deve refletir criticamente sobre o fazer cidadão de cada um e da coletividade. Não basta sair da servidão, é preciso deixar de ser servo! Para isso, é necessário uma nova educação que, nesse caso, leve as pessoas a perceberem as contradições do discurso da servidão e não o aceitem como voluntário.

Por fim, não custa nada ser livre! Está mais do que na hora de nos darmos conta de que os discursos e a política não é matéria de alguns escolhidos, mas de todos nós!

((•)) Ouça este post

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui seu comentário