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sábado, 19 de dezembro de 2015

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A HERMENÊUTICA TEOLÓGICA, O MÉTODO E A OBRA LITERÁRIA

hermeneuticaA discussão decorrente desta produção, aborda de forma descritiva a hermenêutica teológica entendida como a produção de relação e sentido entre a tradição cristã e a experiência humana; o método, como uma abertura à experiência, um deixar-se guiar pelo fenômeno, ou mesmo, um deslocamento entre o intérprete e a obra; e, a leitura de uma obra como tentativa de libertar-se da objetividade científica com vistas à recuperar o sentido da historicidade e da existência.

Situar a hermenêutica dentro do campo da reflexão humana, é ultrapassar a generalização de que todo entendimento produzido sobre as coisas temporais e atemporais passam apenas pela subjetividade humana ou pela objetividade científica. A hermenêutica no campo teológico se situa como empreendimento não apenas no ato de conhecer, mas ao campo da linguagem, da interpretação, da desmitificação, do sentido do texto, ou mesmo no próprio texto. Assim, pode-se questionar sobre os pressupostos conscientes de nossa interpretação diante do que vamos interpretar.

Quanto ao interpretar à luz da Teologia, compreende-se que a melhor forma é uma reinterpretação do cristianismo baseado na não oposição argumentativa da criatividade[1] e da lucidez crítica[2]. O que se observa no método de leitura contemporânea da literatura teológica, é que esta se desenvolve contemporaneamente a partir de uma compreensão do tipo hermenêutico, desvencilhado do modelo clássico-dogmático. À essa forma se percebe que a prática teológica dos cristãos já está permeada de uma reinterpretação criativa da fé; ou seja, é a presença de uma relação crítica entre a tradição da cristandade com a experiência humana vivencial.

Nesse sentido, é importante entender que a hermenêutica teológica produz uma verdade apoiada na própria historicidade da verdade. Essa, só é possível quando a hermenêutica teológica opera na passagem do saber para a interpretação, que garante ao homem ser um sujeito interpretante. Essa premissa se sustenta quando se compreende de que, ao passo que há uma intepretação viva (do momento presente), se pode também reconstituir o passado, a alteridade histórica. Abandona-se, dessa forma, a hermenêutica psicologizante[3], o modo de pensar metafísico[4] e, produz-se sentido à medida que se toma consciência de uma hermenêutica interrogativa. A partir dessa prerrogativa, nasce o debate entre a autoridade da fé e a razão científica.

“O que me interessa é a ‘interpretação’ enquanto dá à palavra uma vida que ultrapassa o instante e o lugar nos quais ela foi pronunciada ou transcrita. O termo ‘interpretação’ reúne todas as nuanças adequadas” (STEINER apud GEFFRÉ, 1989, p. 5)

Assim, é importante situar a compreensão que é produzida hermeneuticamente. A consciência, pelo viés da relação moderna ‘sujeito-objeto’ oriunda dessa processo se localiza no encontro com o objeto, nem no sujeito, nem no objeto, mas sim, no encontro. Esse encontro é mediatizado pela linguagem comunicativa, ou seja, uma compreensão capaz de ser comunicada. Além dessa falha da objetividade científica moderna, apoiada no padrão da subjetividade antropológica do paradigma moderno, há a interpretação de que um evento linguístico está mais no objeto do que na transformação do intérprete; ou seja, para que uma obra literária seja interpretada é necessário que ela transforme o intérprete. Dessa forma, a hermenêutica é um meio de revelação ontológica, uma vez que se media a relação do homem com o mundo. Um mundo que é partilhado pelo homem através da linguagem, que por conseguinte, o insere em um espaço histórico-material que a sua compreensão o permite. Nessa existência ontológica é que produzimos significados.

Nessa perspectiva, a linguagem não é apenas um instrumento utilizado pelo homem para sua inserção social, mas é uma experiência. Quando abordada a nível da hermenêutica teológica, ela ganha significado pois acontece na vida e na história dos homens. Pode-se compreender a história humana, dentro desse ínterim, como sendo uma experiência permeada de limitações, não apenas sobre a finitude do conhecimento mas também da pobreza do mesmo em relação ao campo experiencial teológico.

“[…] ler uma obra não é adquirir conhecimento conceptual por meio da observação ou da reflexão; é uma ‘experiência’, uma ruptura e um alargamento do nosso antigo modo de ver as coisas. Não foi o intérprete que manipulou a obra, pois esta mantém-se fixa; foi antes a obra que o marcou, mudando-o de tal modo que ele nunca mais pode recuperar a inocência que perdeu com a experiência” (PALMER, 1989, p.250)

Tudo o que fazemos se dá pelo viés da linguagem. Existimos por ela, e ela constitui o nosso próprio ser. Então, o momento da intepretação não é apenas um momento de aplicação de significado, mas diante da obra literária constrói-se um mundo de significados maior do que o próprio mundo que dá significado à obra. Portanto, em todo processo de interpretação hermenêutica, somos possuídos por aquilo que é dito na obra. Nos situamos na compreensão da mesma, mesmo que esta esteja no horizonte de sua própria compreensão e significado. Essa guinada linguística requer que renunciemos a subjetividade humana como ponto de referência (relação sujeito-objeto).

Assim, quando desenvolvemos a percepção de que a leitura de uma obra não é a apropriação conceitual da mesma, inferimos um alargamento de nosso antigo modo de ver as coisas. Isto requer um método construído a partir da hermenêutica, distanciado da objetividade científica, da subjetividade moderna, do psicologismo teológico e da compreensão dominante do dogmatismo cristão. O método consiste na dinâmica de desenvolver um autoquestionamento de nossas incertezas, buscando compreender questões ocultas das obras literárias, ou mesmo questões que deram origem ao texto. É preciso, portanto, atentar para a dinamicidade do processo de abertura à arte de ouvir a partir de uma compreensão histórica e da crítica fenomenológica à visão científica. Em outros termos, situar-se na ordem da temporalidade e do significado dinâmico e experiencial da obra literária.

No entanto, o método não se basta a restrição dogmática da compreensão da obra. Este caminho pode também alterar ou impedir a experiência acima supracitada. Isto requer uma nova compreensão da estrutural de linguagem.

“O método é uma tentativa de avaliação de controle por parte do intérprete; é o oposto de nos deixarmos guiar pelo fenômeno. A ‘abertura’ da experiência – que altera o próprio intérprete em favor do texto – é a antítese do método. Assim o método é de fato uma forma de dogmatismo, separando o intérprete da obra, colocando-se entre esta e ele, e impedindo-o de experimentar a obra em toda sua plenitude. A visão analítica é cega à experiência; é uma cegueira analítica” (PALMER, 1989, p.248)

A partir dessas discussões acerca da hermenêutica teológica na busca de relação e sentido entre a tradição cristã e a experiência humana, o método e a libertação da objetividade científica como garantia da historicidade e da experiência, temos hoje a tarefa de recuperar o sentido da historicidade da existência. Em outras palavras, isto significa, repor culturalmente um novo modo de ver, interpretar e significar a interpretação das obras literárias.


[1] Observar que “[…] se a preocupação criativa nos expõe ao risco do arbítrio, a obsessão com a lucidez não nos expõe ao risco do reducionismo?” (GEFFRÉ, 1989, p. 09).

[2] Lucidez crítica no que se refere “a convicção intima de que a mesma não compromete em nada a espontaneidade propriamente teologal da fé.” (GEFFRÉ, 1989, p. 10).

[3] Compreende o texto como expressão da vida subjetiva do autor.

[4] Antiga ontologia de fundamentos conceituais. ((•)) Ouça este post

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

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OS DESAFIOS E PROPOSTAS DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR

base2Um dos grandes desafios que se apresenta ao momento em que estamos inseridos no âmbito da educação, é a proposta da Base Nacional Comum Curricular. A mesma ainda está em construção. Por ser democraticamente construída, busca sua legitimidade através do envolvimento e da participação de todos os interessados em educação. Para atingir tal objetivo, o MEC – Ministério da Educação e Cultura, através do acesso ao site da Base Nacional Comum Curricular, oferece espaços colaborativos de questionamentos e sugestões.

O caminho de construção da BNCC é longo. O que se vê de imediato, é que a mesma se apoia na Constituição Federal, Lei de Diretrizes de Bases (9.394/96), Parâmetros Curriculares Nacionais, Conferência Nacional de Educação, Diretrizes Curriculares para Educação Básica, PNAIC – Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, PNEM – Pacto Nacional do Ensino Médio e no PNE – Plano Nacional de Educação (2014-2020). A BNCC surge da necessidade de se pensar o currículo nacional em sua dimensão propositiva, acordada com as resoluções vigentes em educação. Assim, a BNCC não é o currículo, mas sim, onde se assentam os diferentes currículos. Por ser assim, a BNCC busca aprofundar o currículo a partir dos direitos e objetivos de aprendizagem. De toda forma, por não ter caráter redentor, não se espera que a BNCC venha resolver todas os problemas de ensino, aprendizagem e avaliação presentes nos diferentes currículos.

Assim, a BNCC busca, através dos direitos e objetivos de aprendizagem, a socialização de significados e construção de identidades dos sujeitos, no tocante à valores, direitos e deveres, incentivando também as práticas educativas formas e não-formais, uma vez que é composta de uma parte comum e outra parte diversificada.

A parte comum é composta de conhecimentos, saberes e valores gerados a partir das instituições produtoras do conhecimento científico e tecnológico, pelo viés do trabalho, da linguagem, atividades desportivas, corporais, artísticas, inseridas no exercício da cidadania. Já a parte diversificada, compreende as características locais e regionais, enriquecendo assim, a parte comum. Essa integração entre as partes não se dá por meio de disciplinas, mas em um processo de interdisciplinaridade e transversalidade de saberes e conteúdos.

Por constituir-se como diretriz pedagógica para a Educação Básica, a BNCC insere alguns desafios para as Universidades, Escolas e seus agentes: pensar o global com olhos no local, separar o importante do fundamental, construir uma base com legitimidade e clareza, articular os componentes curriculares, e por fim, pensar a educação como direito e objetivo da aprendizagem.

Para finalizar, uma reflexão de Paulo Freire:

"Precisamos contribuir para criar a escola que é aventura, que marcha, que não tem medo do risco, por isso que recusa o imobilismo.A escola em que se pensa, em que se cria, em que se fala, em que se adivinha, a escola que apaixonadamente diz sim à vida" (Paulo Freire) ((•)) Ouça este post